Segundo O GLOBO, ex-presidente Durcesio Mello facilitou para Botafogo, ser usado como garantia por John Textor, na compra do Lyon em 2022


Das promessas de investimento às contratações de impacto que embalaram a inédita conquista da Libertadores e o título brasileiro de 2024, John Textor e o Botafogo pareciam viver um ciclo de euforia sem fim. Menos de um ano depois, a turbulência interna da Eagle e a batalha judicial entre o empresário e seus sócios podem colocar em xeque o futuro do projeto. O estopim veio em 17 de julho, em reuniões que marcaram a ruptura de confiança entre Textor e os demais acionistas da Eagle, que escancarou a crise na SAF alvinegra. Longe de uma definição, apesar da insistência do Norte-americano de que a disputa já não existe, a batalha nos tribunais já jogou luz sobre o funcionamento interno e os bastidores da SAF: para sustentar seus argumentos, ambas as partes anexaram aos autos documentos que até então não tinham vindo a público.


Quando se aproximou do Botafogo, John Textor — um empresário do ramo da tecnologia com um passado de altos e baixos no mercado financeiro — tinha um plano ambicioso: formar uma rede internacional de clubes de futebol, com pontos estratégicos em diferentes mercados. Na época, o norte-americano, então com 56 anos, já havia adquirido 40% do Crystal Palace, da Inglaterra, e o RWD Molenbeek, na Bélgica. Também tentou adquirir o Benfica, mas a negociação não foi à frente. O Brasil, recém-aberto ao capital estrangeiro com a lei da SAF, se tornava o próximo alvo natural.


Antes de aportar no futebol, Textor — um ex-skatista que migrou para o mundo dos negócios após abrir mão da carreira no esporte ao sofrer uma lesão na cabeça — teve um histórico empresarial turbulento. Em 2006, ele surpreendeu o mercado ao adquirir a Digital Domain, um estúdio lendário de efeitos visuais fundado por James Cameron e outros parceiros e responsável por produções premiadas, como Titanic. Em seu período à frente da empresa, o estúdio ganhou o Oscar de melhores efeitos visuais em 2009, pelo filme "O curioso caso de Benjamin Button", no qual Brad Pitt interpretava um homem que nascia idoso e rejuvenescia ao longo da trama.


Apesar de ter chegado ao negócio acompanhado de nomes de peso em Hollywood, como o diretor Michael Bay, Textor acumulou prejuízos e logo quebrou: apenas seis anos depois da aquisição, em setembro de 2012, a Digital Domain fechou as portas, demitiu 346 funcionários e, dias depois, declarou falência. Pressionado pelos sócios, Textor teve que renunciar ao cargo de CEO. Dois anos depois, ele acabou sendo processado pelo Estado da Flórida, que cobrava US$ 80 milhões por prejuízos aos cofres públicos decorrentes de incentivos econômicos concedidos à empresa em 2009 para que a Digital Domain se instalasse na cidade de Port St. Lucie. Em 2016, a ação foi encerrada por um acordo aprovado pela Justiça, e Textor recebeu a maior quantia de indenização entre as partes, US$ 8,5 milhões, além da concessão dos ativos tecnológicos da empresa.


Por conta da falência da Digital Domain, o empresário também foi processado por fundos de investimento que afirmaram ter sido enganados por ele quando compraram ações da empresa apenas três meses antes da falência. A Corte de Nova York deu ganho de causa a Textor, alegando não haver "evidências de fraude" no caso, e ordenou que os fundos de investimento reembolsassem o empresário pelos honorários e custas judiciais. Em 2022, Textor contou ao GLOBO que a falência da Digital Domain foi o "momento mais solitário de sua vida": segundo ele, na época, todos os "falsos amigos" que o cercavam se afastaram e ele não tinha dinheiro nem para pagar a mensalidade da escola dos filhos — as crianças só seguiram matriculadas porque ele tinha, na época da bonança, financiado a construção do colégio.


No final de 2013, Textor se juntou a ex-funcionários da Digital Domain para fundar outra empresa de tecnologia: a Pulse Evolution Corporation, especializada em produzir hologramas ultrarrealistas. À frente da Pulse, Textor chegou a ser chamado de "guru da realidade virtual de Hollywood" pela Revista Forbes, após a empresa desenvolver uma performance holográfica de Michael Jackson, morto anos antes, para o prêmio Billboard Music Awards, em 2014.


No entanto, na Pulse, Textor também acabou sendo alvo de acusações em outro litígio judicial. Em novembro de 2017, um grupo de investidores processou o empresário no tribunal do Sul da Flórida, alegando que ele os havia "induzido fraudulentamente" a investir milhões de dólares na Pulse para, posteriormente, "desviar os valores para suas próprias contas pessoais ou transferir para empresas de sua propriedade ou controladas por eles ou por sua família".


Na petição, os advogados dos investidores chegaram a afirmar que a Pulse funcionava como uma "empresa de fachada": "desde que Textor assumiu como presidente, os únicos efeitos visuais produzidos foram o desaparecimento de dezenas de milhões de dólares dos investidores", afirma a petição. Os investidores também acusaram Textor de se beneficiar com a quebra de suas empresas. "Uma vez que Textor esvazia uma empresa de todos os seus ativos e essencialmente a torna insolvente, ele cria uma nova entidade e continuava a enriquecer", alegaram os advogados.


A defesa de Textor, por sua vez, alegou que a ação se baseava em "alegações infundadas" e era movida por "investidores estrangeiros frustrados por não conseguirem tomar o controle da Pulse de seus fundadores". "Os autores apresentaram essas alegações sensacionalistas e infundadas contra a Pulse não porque realmente desejam reparação. Em vez disso, esse processo é meramente uma tentativa de usar o sistema judicial para obter vantagem nas negociações sobre o controle da Pulse", escreveram os advogados do empresário.


Em junho de 2018, a ação foi encerrada por solicitação voluntária dos investidores de forma permanente — ou seja, sem que eles pudessem entrar na Justiça novamente com o mesmo pedido. No Judiciário norte-americano, decisões do tipo geralmente são tomadas quando as partes chegam a um acordo fora do tribunal.


A grande virada na carreira empresarial de Textor aconteceu em 2020, após ele fundir a Pulse Evolution — já rebatizada com um novo nome, Facebank Group — com a FuboTV, um serviço de streaming esportivo adquirido pelo empresário. Meses após a fusão, a nova empresa foi listada na Bolsa de Valores de Nova York, atingindo um pico de avaliação de mercado de mais de US$ 8 bilhões, tornando-se um dos IPOs (sigla para o equivalente em inglês de "Oferta Pública Inicial", processo pelo qual uma empresa vende suas ações ao público pela primeira vez) de maior sucesso de 2020. Em alta, Textor deixou a empresa no final daquele ano e voltou sua atenção para o mundo da bola.


MATIX, A INTERMEDIÁRIA


A chegada de Textor ao Botafogo foi intermediada por dois jovens brasileiros que se conheceram cursando um MBA na universidade de Yale, Danilo Caixeiro e Thairo Arruda. Sócios da consultoria Matix Capital, eles viam na mudança da lei do clube empresa no Brasil a oportunidade de atrair capital estrangeiro para equipes de massa e fizeram um primeiro contato com Textor pelo Linkedin, em junho de 2021, quando leram notícias sobre o interesse do norte-americano em comprar um clube em Portugal — naquele mesmo ano, Textor já havia comprado 40% do Crystal Palace e estava em busca de outros clubes para criar uma rede. Logo, a dupla o convenceu que, com a lei das SAFs, o Brasil seria um bom local para investimentos.


Inicialmente, Textor cogitou investir no América-MG, mas foi convencido pela dupla a mudar os planos pelo potencial inexplorado do Botafogo, um clube tradicional, com torcida grande e situado no Rio de Janeiro, cidade conhecida globalmente. As negociações para aquisição da SAF do clube não duraram 30 dias: Textor desbancou um fundo de investimento que acenou com uma proposta semelhante e arrematou a SAF com a promessa de fazer investimentos de R$ 400 milhões em até três anos — sendo R$ 50 milhões imediatamente, antes mesmo da assinatura do contrato.


A SAF Botafogo foi constituída formalmente em 28 de dezembro de 2021 e, em março do ano seguinte, o controle do futebol foi oficialmente transferido a Textor. Uma de suas primeiras medidas, como presidente do Conselho de Administração, foi assinar um contrato de prestação de serviços de consultoria com a empresa de Caixeiro e Arruda — que, por sua vez, assumiu o cargo de CEO da SAF por indicação de Textor. Nas atas das reuniões do Conselho de Administração, não há informações sobre o valor do contrato.


Em julho passado, a rescisão do contrato com a Matix foi aprovada pelo Conselho de Administração, assim como o pagamento de uma multa rescisória pelo distrato. Na reunião — que teve a participação de Arruda, sócio da empresa, como secretário —, os conselheiros também decidiram que a SAF também assumiria o pagamento de um "Preço de Exercício" à empresa. A ata não menciona os valores da rescisão. Arruda, no entanto, segue no cargo de CEO.


Atualmente, a Matix briga, na Justiça, com outra SAF, a do Vasco. A empresa foi responsável por intermediar as conversas entre o clube e a 777 Partners, empresa de investimentos norte-americana que comprou 70% da SAF do Vasco em 2022 e foi afastada do controle do futebol do clube dois anos depois. Na ação, a firma de consultoria alega que tem direito a receber quase R$ 16 milhões pelo serviço prestado.


O CONTRATO E O ACORDO

No meio da tarde de 7 de janeiro de 2022, uma quinta-feira, cerca de 100 torcedores do Botafogo fizeram uma festa no saguão do Aeroporto Santos Dumont para receber John Textor, que pousava no Rio para fechar a compra da SAF do clube. Dois dias depois, Textor assinou com o Botafogo uma "oferta vinculante", primeiro movimento necessário para a transferência do controle do futebol para suas mãos. A criação da SAF foi oficializada na semana seguinte, em 15 de janeiro, quando 97% dos sócios presentes na Assembleia Geral aprovaram a venda para o americano.


Em 26 de janeiro de 2022, o empresário fez o primeiro aporte da nova SAF, de R$ 50 milhões, que lhe garantiu um período de exclusividade para verificação das finanças do clube antes da conclusão da operação. No mês seguinte, o clube social transferiu para a SAF todos os ativos relacionados às atividades do futebol, como contratos e direitos esportivos. Já em março, a compra foi sacramentada com a assinatura dos documentos que balizam a relação entre as partes e funcionam como a espinha dorsal da nova empresa: o Contrato de Investimento e o Acordo de Acionistas. De um lado, os papéis — que só vieram à tona, na íntegra, no fim de julho, quando foram anexados aos processos judiciais que contrapõem Textor e seus sócios — estabeleciam os aportes e responsabilidades do investidor; de outro, garantiam mecanismos de proteção ao Botafogo associativo diante do risco de descumprimento das obrigações.


O Contrato de Investimento estabeleceu as regras básicas do negócio. Textor comprou 90% das ações da SAF, enquanto o clube social ficou com 10%. No documento, ele se comprometeu a investir, além dos R$ 50 milhões já aportados, outros R$ 350 milhões em quatro parcelas ao longo de 36 meses — sendo que a primeira, de R$ 100 milhões, foi paga à vista no ato da assinatura. Segundo o contrato, se o investidor não quitasse alguma das parcelas em até cinco dias após a data acordada, teria seu direito de voto dentro da SAF suspenso, e o clube social poderia criar novas ações e comprá-las, ampliando sua fatia em relação ao sócio inadimplente e reforçando a possibilidade de reassumir o comando da empresa em cenários de crise.


Outro compromisso pactuado no documento dizia respeito ao pagamento das dívidas históricas do clube social, avaliadas em R$ 900 milhões à época. O passivo não foi transferido para a SAF, mas a nova empresa assumiu a "obrigação irrevogável e incondicional" de quitar todas as pendências da associação que existiam até então. O pagamento seria feito por meio de repasses regulares, na forma de royalties devidos ao clube pelo uso da marca e de suas instalações.


Já o Acordo de Acionistas detalhava os direitos de governança, penalidades e, principalmente, as salvaguardas para a associação. Embora minoritária, a entidade garantiu, com o documento, poder de veto sobre temas considerados “Assuntos Qualificados” — como mudanças de nome, símbolos e cores do clube, reorganizações societárias, alienação de imóveis ou de direitos de marca, alterações no conselho e transformações na natureza jurídica da SAF. Sem a aprovação do clube, nenhuma dessas medidas poderia ser implementada. O acordo também estabeleceu que a participação do Botafogo associativo na SAF não poderia ser inferior a 5% das ações. Esse limite funcionava como um mecanismo de proteção para garantir que a associação mantivesse base acionária suficiente para exercer direitos de veto e fiscalização.


O documento também criou restrições caso qualquer acionista desejasse usar suas ações como garantia em outras operações — como a tomada de empréstimos, por exemplo. Segundo o acordo, qualquer gravame sobre ações deveria ter aprovação prévia e por escrito do Conselho de Administração da SAF, formado por quatro representantes do investidor e um do associativo. Portanto, se o clube social não concordasse com a garantia, poderia vetá-la.


O capítulo de "Obrigações de Contribuição do Investidor" estabeleceu parâmetros para a atuação de Textor com o objetivo de garantir a estabilidade econômica da SAF, prevendo penalidades em caso de descumprimento. O investidor deveria assegurar que a empresa tivesse caixa suficiente para cobrir despesas operacionais e de investimento, além da folha de pagamento do futebol profissional. O acordo previa, por exemplo, que pelo menos R$ 50 milhões fossem destinados ao pagamento de jogadores entre 2023 e 2028. Textor também teria que garantir que o endividamento não ultrapassasse certos limites. A partir do quarto ano de operação, a dívida não poderia ser maior do que o dobro da receita. Em caso de descumprimento, o investidor estaria sujeito a penalidades que iam de multas à diluição de sua participação acionária.


Apesar das proteções asseguradas pelo acordo, em poucos meses o clube associativo abriu mão de algumas delas para atender interesses de John Textor — que logo penhorou a SAF do Botafogo para comprar o Lyon e formar sua rede multiclubes.


SAF PENHORADA


Após a compra do Botafogo, ainda faltava a John Textor um clube tradicional em uma liga de destaque da Europa para completar o portfólio de sua rede. O escolhido para se juntar a Crystal Palace (Inglaterra), RWD Molenbeek (Bélgica) e Botafogo sob o guarda-chuva da Eagle Football Holdings — empresa aberta na Inglaterra em setembro de 2022 para centralizar a gestão dos clubes — foi o multicampeão francês Olympique de Lyon. Em situação financeira complicada, com dívidas na casa dos 500 milhões de euros à época, o clube também buscava um novo investidor para suceder o desgastado Jean-Michel Aulas, seu dono desde 1987.


Textor, no entanto, tinha um problema para concluir a compra: no fim de 2022, após adquirir com recursos próprios os demais clubes, ele não dispunha dos 800 milhões de euros pedidos pelos proprietários de 77% das ações do Lyon. Para levantar o montante, recorreu ao mercado financeiro. James Dinan e Alexander Knaster, do fundo de investimentos Iconic Sports, aportaram 75 milhões de dólares na operação. Em troca, ficaram com 15% das ações da Eagle e passaram a integrar o Conselho de Administração da holding.


O contrato assinado entre as partes previa proteções amplas para a dupla: caso a Eagle não abrisse capital na bolsa de valores, os investidores teriam o direito de exigir que Textor recomprasse as ações por 75 milhões de dólares, acrescidos de juros anuais de 11%. Se o empresário não cumprisse essa obrigação, a Iconic poderia transferir para si as ações de Textor na Eagle.


Já a Ares Management Corporation, gestora global de investimentos, emprestou 425 milhões de dólares para financiar a compra do Lyon, recebeu participação acionária na Eagle e indicou dois representantes — Mark Affolter e Jim Miller — para o conselho da holding. O efeito colateral da operação atravessou o Atlântico e chegou a General Severiano: como garantia do empréstimo, Textor ofereceu em penhor todas as suas ações na SAF do Botafogo.


Para fechar o acordo, o empresário — que havia adquirido o Botafogo como pessoa física — primeiro cedeu sua posição contratual, direitos e obrigações na SAF para a recém-constituída Eagle Football Holdings. Depois, precisou articular internamente a aprovação da penhora, já que o Acordo de Acionistas impunha barreiras ao uso das ações como garantia. O documento exigia “aprovação prévia e por escrito do Conselho de Administração da companhia”.


Em 5 de janeiro de 2023, na Assembleia Geral Extraordinária da SAF, o presidente do clube social, Durcesio Mello, renunciou formalmente às salvaguardas previstas nos artigos 7 e 8 do Acordo de Acionistas. O primeiro tratava da necessidade de aprovação do conselho para a oneração das ações. O segundo assegurava ao clube social o direito de preferência na compra das ações do sócio majoritário em caso de venda ou execução de penhor. Ao abrir mão desse direito, o Botafogo associativo perdeu a prioridade de aquisição, facilitando a transferência direta das ações a um novo titular em caso de inadimplência.


No mesmo dia da assembleia, o Conselho de Administração autorizou o uso das ações da SAF como garantia e, na semana seguinte, o contrato de penhor foi formalizado. As cláusulas que deveriam resguardar o clube em cenários de crise foram flexibilizadas para viabilizar a operação internacional de Textor, deixando a SAF do Botafogo exposta como colateral de uma dívida bilionária assumida fora do país. Ao fim do processo, John Textor concluiu a compra do Lyon e manteve-se como acionista majoritário da Eagle, com cerca de 60% do capital — mas ganhou sócios que, no futuro, seriam a causa de dores de cabeça.


GLÓRIA NO BRASIL

A compra do Botafogo por John Textor teve impacto imediato dentro de campo. Logo em 2022, primeiro ano da SAF, houve um salto de investimento, e a equipe que havia subido da Série B em 2021 foi completamente reformulada. Ao longo da temporada, chegaram ao clube reforços de peso como o atacante Tiquinho Soares, o zagueiro Adryelson e o volante Patrick de Paula — que custou seis milhões de euros e se tornou, na época, a contratação mais cara da história do clube. Outra chegada marcante foi a do treinador português Luís Castro, escolhido a dedo por Textor pelo trabalho de reformulação nas divisões de base do Porto. O time terminou o Brasileirão na 11ª posição, manteve-se longe da briga contra o rebaixamento e assegurou a permanência na Série A, primeiro objetivo da SAF.


No segundo ano, Textor reduziu os investimentos e apostou na manutenção da base do elenco anterior, mesclada a reforços pontuais — em sua maioria, jogadores vistos como boas oportunidades de mercado, como o volante Marlon Freitas, que mais tarde se tornaria capitão da equipe. A aposta funcionou, e o time teve um início de Brasileirão mágico, superando adversários com folha salarial muito superior e chegando à metade do campeonato na liderança, com 47 pontos — o melhor primeiro turno da história do torneio.


O trabalho, no entanto, começou a desandar após uma ligação de Cristiano Ronaldo, que convenceu Luís Castro a trocar o Botafogo pelo Al Nassr, da Arábia Saudita. O treinador deixou o time após a 12ª rodada e, no segundo turno, com sucessivas trocas de comando, o desempenho desabou. Após uma sequência de 11 partidas sem vencer, o Botafogo foi ultrapassado na reta final pelo Palmeiras, que acabou campeão. Apesar da frustração, a equipe conseguiu se classificar para a Libertadores pela primeira vez em sete anos.


Após ver o título escapar, Textor resolveu abrir o cofre no ano seguinte. Em 2024, foram 21 contratações e mais de R$ 400 milhões investidos no elenco. O meia Thiago Almada e o atacante Luiz Henrique, que chegaram ao longo da temporada, se tornaram as duas contratações mais caras da história do futebol brasileiro. Para comandar o time, Textor escolheu o português Artur Jorge, que havia levado o modesto Braga ao título da Taça da Liga de Portugal, eliminando o tradicional Sporting na semifinal.


O investimento trouxe retorno imediato: as principais contratações logo se firmaram no time titular e se destacaram entre os melhores jogadores do país — Luiz Henrique e Igor Jesus, outro dos reforços, passaram a ser convocados para a seleção brasileira. Ao fim do ano, o Botafogo conquistou dois títulos em apenas 13 dias: em 30 de novembro, venceu o Atlético Mineiro por 3 a 1 em Buenos Aires e levantou a taça da Libertadores pela primeira vez em sua história; em 8 de dezembro, derrotou o São Paulo por 2 a 1 no Nilton Santos e foi campeão brasileiro pela terceira vez, encerrando um jejum de 29 anos. Após as conquistas, a torcida exibiu uma faixa em homenagem a Textor: “Obrigado por revolucionar nossa história”.


CRISE NA FRANÇA

Na França, entretanto, o empresário não repetiu a trajetória de sucesso. Seus problemas começaram apenas seis meses após a compra do Lyon: em maio de 2023, Jean-Michel Aulas, antigo dono que seria mantido como presidente executivo do grupo por mais três anos, deixou o clube. Nos meses seguintes, o motivo do rompimento veio à tona. Em entrevista a diversos veículos franceses, Textor acusou Aulas de ter “escondido” dados sobre a situação financeira do Lyon na época da venda. Depois, a empresa de Aulas anunciou, em comunicado, que entraria com “várias ações legais para preservar seus direitos diante das repetidas violações de John Textor e da Eagle Football”. Em agosto, o ex-dono conseguiu, pela via judicial, congelar 14,5 milhões de euros de fundos do Lyon, referentes à sua parte na venda do clube.


Dentro de campo, os resultados foram medíocres. Na temporada 2023/2024, o time teve o pior início de campeonato de sua história na primeira divisão francesa, permanecendo na zona de rebaixamento até a 16ª rodada. Após a chegada do treinador Pierre Sage, no entanto, houve reação: foram 15 vitórias nos últimos 20 jogos, e o Lyon terminou na sexta colocação, garantindo vaga na Liga Europa, segundo torneio continental em importância, abaixo da Champions League.


Na temporada seguinte, o clube gastou 134 milhões de euros (R$ 827 milhões) em oito reforços — entre eles, o zagueiro Niakhaté, que se tornou a contratação mais cara da história do Lyon após o pagamento de 32 milhões de euros (R$ 197 milhões) ao Nottingham Forest. Com esse investimento, Textor esperava garantir a classificação para a Champions League, competição que poderia aliviar as finanças do clube com suas altas premiações. O time, no entanto, terminou novamente em sexto lugar, assegurando apenas vaga na Liga Europa.


A partir de 2024, para tentar injetar recursos, Textor passou a vender ativos do clube. Em fevereiro, negociou por mais de 60 milhões de euros uma fatia do time feminino do Lyon para a empresária sul-coreana Michelle Kang — que se tornou sua sócia e integrante do Conselho de Administração da Eagle. Em junho, vendeu as ações da empresa OL Vallée Arena, responsável pela arena multiuso do clube, por mais de 50 milhões de euros.


Paralelamente, o empresário recorreu ao clube mais rentável de sua rede, o Botafogo, para socorrer o Lyon. Valores de sócio-torcedor, patrocínios e premiações da conquista da Libertadores e da participação no Mundial de Clubes foram direcionados à França. Até jogadores do alvinegro — como Luiz Henrique, Igor Jesus e Jair — foram negociados exclusivamente para que adiantamentos de pagamentos cobrissem os déficits do Lyon. Segundo levantamento da SAF, apenas entre janeiro e junho de 2025 mais de R$ 500 milhões foram transferidos pelo Botafogo ao clube francês.


A estratégia, no entanto, não convenceu o órgão de controle da liga, a Direção Nacional de Controle e Gestão (DNCG). Em novembro, a entidade proibiu o Lyon de contratar na janela de transferências do meio da temporada. Já em 24 de junho passado, a DNCG comunicou que o clube seria rebaixado para a segunda divisão por não apresentar garantias financeiras. Dias depois do anúncio, Textor renunciou ao comando


Após o afastamento do americano, o Lyon recorreu e conseguiu reverter a queda. Michelle Kang — que sucedeu Textor à frente do clube — e os demais sócios da Eagle precisaram injetar 100 milhões de euros imediatamente e apresentar mais 100 milhões em garantias para as obrigações da temporada seguinte. Na janela mais recente, o clube mudou radicalmente sua política: vendeu mais do que comprou e arrecadou 105 milhões de euros com transferências de jogadores.


No início da temporada, o jogo entre Lyon e Metz precisou ser interrompido por cânticos ofensivos da torcida contra Textor. “John Textor é o vigarista de um sistema sem salvaguardas. Não à multipropriedade”, dizia uma faixa exibida nas arquibancadas.


Com informações O GLOBO

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